Banco Central pode exigir licença de câmbio para empresas de stablecoins
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O Banco Central (BC) vem discutindo a implementação de novas regulamentações para empresas de criptomoedas. A autoridade tem se voltado cada vez mais para as operações com stablecoins (as moedas digitais atreladas a alguma moeda fiduciária).
Ao longo das últimas semanas, os membros do BC vêm conversando com representantes do setor de criptoativos. E já está na mesa a possibilidade de exigir uma licença de câmbio para as empresas que operam com as stablecoins.
Regra pode gerar tipo específico de registro
Atualmente, as empresas que operam com criptomoedas não precisam de uma licença específica de câmbio. No entanto, o BC vem estudando uma forma de exigir esse tipo de autorização das plataformas.
Isso faz parte de um processo de regulamentação mais amplo do mercado cripto no Brasil. A previsão para as novas regras entrarem em vigor está para 2025.
Portanto, haveria duas formas de se registrar. Uma parte das empresas solicitaria uma licença de funcionamento como prestadora de serviços de ativos virtuais (na sigla em inglês, VASP) comum. Por outro lado, aquelas que oferecem stablecoins teriam que aplicar por um registro específico de operações cambiais.
A distinção seria necessária porque algumas empresas do setor não fazem transferência internacional. Esse é o caso das “tokenizadoras”, que operam apenas com o registro em blockchain de ativos nacionais que já existem no sistema financeiro.
Por outro lado, existem aquelas que transacionam com stablecoins e não usam essas criptomoedas apenas como reserva de valor, especulação ou proteção contra inflação. Elas também usam moedas digitais de valor atrelado a divisas tradicionais para fazer remessas e pagamentos no exterior.
Medida visa equilibrar carga tributária
Além da licença de câmbio, também haveria a cobrança do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), com alíquota de 1,1%.
Esse imposto recairia sobre operações que envolvem a compra de stablecoins como USDT e USDC. Além disso, ele seria direcionado às VASPs que operam remessas internacionais utilizando esses criptoativos.
Com essa iniciativa, o BC busca equilibrar a carga tributária entre transações tradicionais e digitais. Também estaria tentando evitar possíveis distorções no mercado.
Afinal, as operações com moedas tradicionais (fiduciárias), como a compra de dólares, implicam o pagamento do imposto. Mas as stablecoins ainda são vistas como criptoativos com a mesma natureza do Bitcoin. Portanto, elas escapam a essa tributação.
Segundo a Receita Federal, as negociações com USDT e USDC somaram, apenas em agosto, R$ 17,5 bilhões. Isso representa três vezes o volume do Bitcoin.
Preocupação com a conta de capitais do país
Outra preocupação do BC é com o impacto das stablecoins, e das criptomoedas em geral, sobre a conta de capital do país. Afinal, há um fluxo expressivo de dólares para fora do Brasil.
Segundo Nicole Dyskant, conselheira da provedora de infraestrutura blockchain Fireblocks:
“A agenda principal é não perder a visibilidade do controle da moeda que sai do Brasil e vai para o exterior. Isso é central para o BC, além de controles correlatos como prevenção à lavagem de dinheiro e evasão de divisas.”
Empresários veem medida com preocupação
A reunião de representantes do BC com empresários do setor teria ocorrido no final de setembro. E os empresários teriam demonstrado receio quanto ao custo de se obter uma licença específica para operar câmbio.
Além disso, questionaram como funcionaria a cobrança do IOF, já que exchanges menores não conseguiriam monitorar tokens enviados para carteiras externas. Também questionaram qual o grau de monitoramento que a empresa precisaria ter sobre o que o usuário faz com os tokens adquiridos.
Por exemplo, um dos desafios é a dificuldade de rastreio quando o usuário utiliza as cold wallets (carteiras frias). Afinal, elas são como pen-drives, consideradas mais seguras justamente porque não têm acesso à internet. Portanto, pela sua configuração, elas permitem que se faça a autocustódia de criptoativos.
Ou seja, os clientes das exchanges podem evitar pagar o IOF ao transferir seus ativos para uma cold wallet e, depois, para uma corretora de fora. Por isso, os especialistas acreditam que os usuários vão acabar preferindo investimentos com uma tributação mais baixa.
Isso acabaria diminuindo o volume de transações em criptomoedas no Brasil. Por fim, pode limitar a adoção de ativos digitais.
Marco Legal Cripto já apontava esse caminho
O Marco Legal dos Criptoativos, sancionado em 2022, colocou o Banco Central como órgão regulador infralegal do segmento cripto. Portanto, para Marcel Mascarenhas, ex-procurador-geral adjunto da instituição e sócio da Warde Advogados, cabe ao próprio BC disciplinar sua forma de atuação:
“O BC já separa quem tem licença comercial ou de banco múltiplo daqueles que têm licença de câmbio. Ele pode fazer essa diferenciação através de camadas de licenças com requisitos específicos.”
Aliás, um comunicado do BC de 2017 já dizia que operações com moedas virtuais que envolvam transferências internacionais referenciadas em moedas estrangeiras não estão livres das normas cambiais do país.
O Marco Legal Cripto também reforçou isso no artigo 7. Ele coloca nas mãos do órgão regulador o poder para determinar as hipóteses de atividades a serem incluídas no mercado de câmbio.
Receita Federal teria que ajudar
Para Nathaly Diniz, chefe de tokens e vendas institucionais da startup de infraestrutura blockchain Lumx, o problema é analisar cada caso em específico. Segundo ela, seria preciso observar quando as stablecoins estão sendo usadas para transações cambiais.
Por exemplo, as normas cambiais são aplicáveis quando o cliente usa stablecoin para fazer uma remessa. No entanto, se ele usa esse tipo de criptomoeda para fazer um pagamento, a abordagem deve ser outra.
No entanto, a dificuldade está justamente em diferenciar os tipos de uso. Afinal, as corretoras dificilmente conseguem ter esse controle sobre a intenção do cliente. Portanto, a Receita Federal teria que ajudar na aplicação da norma.
Licença unificada é descartada
Para Nicole Dyskant, o BC pode criar uma licença de câmbio para as empresas de stablecoins. Por exemplo, ela poderia ser necessária no caso de empresas como a Tether, que emite USDT, e a Circle, que é responsável pela USDC.
Já as exchanges que distribuem esses criptoativos para os clientes finais não precisariam obter uma licença específica para operar com câmbio. Mas isso desde que elas tenham parcerias com instituições financeiras e de pagamento que já possuam a licença.
Além disso, Dyskant descarta a possibilidade de a instituição reguladora trabalhar com uma licença única para as corretoras — ou seja, uma mesma licença que já incluísse os requisitos cambiais. Segundo a advogada, a possibilidade de uma licença unificada só existiria no caso de instituições que já são reguladas.
Por fim, ela defende que o caminho será mesmo exigir que a empresa solicite licenças específicas para os serviços que quiser ofertar.
Regulação de stablecoins não sai este ano
É importante ressaltar que todas essas hipóteses ainda estão em fase de estudo pelo Banco Central.
A primeira parte da regulação de criptoativos está prevista para sair ainda este ano. Junto a ela, também deve ocorrer uma consulta pública ao setor.
No entanto, as questões envolvendo as stablecoins ainda não entrarão nessa parte da regulamentação.

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